Você que acompanha este blog há um tempo já sabe que a quarta edição do
EL FANZINE, lançada oficialmente em novembro na
Brasil Comic Con, chegou arrancando elogios da crítica especializada - como você pode ver
aqui,
aqui e
aqui - e também dos espertos leitores que correram para garantir seus exemplares (
aqui e
aqui). O que você talvez não saiba é que o ELF4, como todas as boas publicações corajosas o suficiente para abordar temas complexos e espinhosos, também foi alvo de críticas negativas.
O
Universo HQ, talvez um dos maiores sites especializados em quadrinhos e cultura pop do Brasil, listou em sua sessão
Melhores e piores do mês o
EL FANZINE 4 entre os piores lançamentos de setembro, segundo a opinião do crítico Audaci Junior. Se liga no print:
O ELF está ali, no finalzinho da lista, junto com Tex, Will Eisner e Frank Miller (a julgar pela companhia, não se pode dizer que estamos mal). Se quiser ver a lista completa, clique aqui.
- Espera aí! - diz você, curioso. - Este texto é pra cantar derrota??? Desde quando se assume filho feio?
Sim, leitor. O texto é justamente sobre isso. Cantar vitória é moleza, mas só os fortes botam a cara na janela pra levar o tapa, e o
EL FANZINE não esconde a cara de ninguém. Por isso, segue na íntegra e
ipsis littteris (com os erros ortográficos e tudo, porque aqui é jornalismo verdade!) a justificativa do crítico Audaci Junior, que não poupou golpes abaixo da linha da cintura, e desceu a lenha no gibi durante uma conversa via email provocada por
Abc:
ALERTA DE SPOILER!! ALERTA DE SPOILER!!
ATENÇÃO: o texto abaixo contém
spoilers das três histórias do ELF4. Se você ainda não adquiriu sua edição (o que está esperando? Clique
aqui) e não quiser estragar seu prazer de leitura, te aconselhamos a deixar de ler isso e ir procurar algo mais
produtivo pra fazer na internet.
"Caríssimo
Arthur,
Como já
tinha lhe falado, achei regular a quarta edição da El Fanzine. Segue alguns
pontos sobre a revista:
Uma
bela capa (e quarta capa), remetendo ao Jim Steranko. Do ponto de vista de
diagramação/editoração ela é bem definida. Na capa eu limparia mais as manchas
gráficas. Na máxima de que "menos é mais", acho que ficaria mais
harmonioso sem o avatar "Elf#4" do lado esquerdo do título...
Tomar
cuidado também com a revisão (muitas palavras sem acento e mal uso da
vírgula)...
A
primeira HQ, A Canção de Quito 100 Pernas, a sua, tem um bom traço, dinâmico e
bem resolvido em algumas composições.
As três
HQs mais longas da revista tem uma linha de raciocínio de ter um pé na
"realidade", o que se espera mais coerência com a proposta.
Por
isso o grande problema de seu clímax, onde Quito é pisoteado por uma multidão!
Bom, as dimensões de um campo de futebol (mesmo não-oficial), é impossível
acontecer do jeito que foi retratado, não? Foi bem forçado neste sentido...
Algumas
sequências parecem "perdidas" na narrativa. Exemplo: você usa bem a
metáfora no último quadrinho da famosa obra de Michelangelo (ter fé na esperança
e não na religiosidade), mas na página 5 se espera um "casamento"
desse tipo no texto com o ato de carpintaria...
Outra
sequência, quando se aproxima da torcedora na página 9, mais confunde do que
beneficia a narrativa (seria ela a receber os tiros? Seria ela a "cara do
horror" por presenciar os disparos?)...
(As
minhas observações aqui não são do tipo "eu faria assim", OK? Só
estou apontando o que não gostei como leitor)
A
segunda HQ, do Tito, também é refém da realidade. Acho bacana explorar um tema
recente e complexo como esse, mas ele toma como base uma série de clichês que
torna até as surpresas previsíveis.
Um
exemplo é o antagonista cheirador aparentemente idealista que, na verdade, usa
o prestígio para se beneficiar. Ele tem uma namorada que bate (ele é mal) e o
"mocinho" se envolve com ela, mas a garota vira pivô do seu
destino...
Pior:
como um policial durão que está nos holofotes da mídia como antagonista,
passeia de mãos dadas com seu namorado por ai?!?! Forçadíssimo!
Alguns
diálogos me incomodaram... Não são espontâneos e naturais. Um exemplo de um
belo trabalho nesse sentido é Tungstênio, de Marcello Quintanilha, pra mim, o
melhor nacional deste ano até agora!
O
desfecho é legal, a ambiguidade do autor do assassinato e a canção ficou muito
bacana...
Já a
terceira, Amok, gosto da arte detalhista, meia Mutarelli. Intercalar as cenas
de assassinato com as sexuais são o ponto alto, assim como o casal não querer
transar pelo meio "convencional". Ecos de David Cronemberg...
Tem um
bom ritmo (mesmo fazendo "barriga" quando apresenta o casal com os
amigos, mas acho que a intenção é ser chato mesmo para a sequência a seguir),
porém por que diabos eles acendem a luz de uma escola abandonada que acabaram
de invadir??!!
Independente
disso, a HQ do Nemo é a melhor e a mais interessante...
Bom é
isso! Obrigado novamente pelo envio e que venha a edição 5!
Espero
ter ajudado! Sucesso e que cresçam, meus caros!
Abração
a todos!
Atenciosamente,
Audaci Junior"
Com a pulga atrás da orelha, Abc continuou cutucando a onça:
"Valeu, Audaci!!
Muito
construtivas as críticas. Te confesso que até fiquei assustado quando nos vi no
hall dos "piores do mês". Pensei que a crítica ia ser mais negativa.
Que bom
você sacou as metáforas da minha estória! Quanto ao "carpiteiro", só
em defesa: A referencia é cristã, já que Cristo também era carpinteiro. A
sequência é basicamente pra mostrar o Quito construindo o próprio instrumento
de sua queda. Já o Martelo é uma "anáfora" para ele que vai ser
"esmagado" pela multidão.
Enfim,
se não consegui passar isso, fracassei. Mas a ideia era essa =P
Quanto
a aproximação da mulher, a ideia era a confusão mesmo. A pessoa ficar sem saber
se era a visão do horror ou ela a receber os tiros. Depois que já tinha feito,
percebi que isso causava um certo incomodo narrativo (principalmente por causa
da página do pisoteado). Mas resolvi assumir.
Quanto
a "geografia do campo", era pra ser bizarro mesmo. A estória, apesar
do tom realista, trabalha com a ilusão humana. A principio, não há nada de
realidade em uma pessoa sem pernas querer jogar futebol (mas o leitor compra).
Eu vou dando pistas disso durante o quadrinho (tem sempre uma árvore seca, uma
nuvem, um relâmpago à cabeça de Quito), como se ele estivesse indo contra a
natureza.
Enfim,
isso que estou falando é uma defesa, mas me sinto lisonjeado com sua crítica.
Na minha concepção, depois de feita, a obra deixa de ser minha e passa a ser do
espectador. Vou me aperfeiçoando para transmitir melhor essas ideias.
Mais
uma vez, obrigado!
Vou
encaminhar para o restante da equipe!!
Abraço!!
Arthur."
E o Audaci encerrou a conversa:
"Eu
daria entre 2 e 2,5 balões para Elf #4, deixando abaixo (mas nem tanto) da média...
Um exemplo disso foi o álbum independente Café, do Gabriel Jardim, que coloquei
entre os "piores", mas dei 2,5 de nota...
Velho,
a falha foi minha de não sacar a profissão com o cristianismo! Muito legal!
Culpa totalmente minha! Mas é meio difícil sacar a alusão do prego e martelo
porque estão muito distantes uma da outra...
De
resto, mesmo não concordando com alguns pontos, você se defendeu bem, como bom
"pai"... =)
Como dito por Audaci, Abc defendeu bem a sua história. Entretanto, os outros dois autores - Rodrigo Nemo e Tito Camello - que não participaram dessa saudável conversa via email, não tiveram a mesma oportunidade.
Mas nem tudo são espinhos por parte do Universo HQ. Olha só o que Samir Naliato, outro redator do site, escreveu sobre o EL FANZINE 4:
E vale lembrar que o ELF já foi divulgado pelo mesmo site antes, em uma nota escrita por Marcelo Naranjo, como você pode ver aqui.
Isso mostra o quanto um único trabalho pode dividir opiniões, inclusive entre membros de um mesmo grupo, como o site UniversoHQ. Não é diferente com centenas de outros quadrinhos, ou mesmo com livros, filmes e músicas. Mais importante do que posicionamentos consolidados é a polêmica em si, que revira nossos dogmas e nos faz confrontar nossas ideias e nossos ideais.
Ruim mesmo é quando a opinião é unânime.